ESTE VOLUME II É O DISCO QUE NGA DEVERIA TER FEITO. E FEZ
NGA está de regresso com “Filho das Ruas II”, o seu terceiro álbum. Com mais de 20 anos de rap, o artista usou as 10 faixas do disco para dizer o que já deveria ter tido e fazer o álbum que já deveria ter feito.
O primeiro grande Filho das Ruas foi o segundo disco dos Black Company, um dos principais álbuns do hip hop lusófono. Lançado em 1998, esse disco influenciou muitos rappers e fez outros tantos sonharem gravar músicas, fazer vídeos e dar concertos. Bambino, Bantú aka Gutto, Soon o DJ e Makkas não sabiam o efeito que o seu trabalho estava a ter em adolescentes por toda a lusofonia, entre os quais um miúdo de 15 anos, Edson Silva, mais conhecido por NGA.
Quando em 2012 NGA lançou o seu primeiro álbum e lhe deu o nome de Filho das Ruas, numa clara homenagem aos Black Company, o rapper já não era um novato, já levava 15 anos de rap e tinha conquistado uma invejável base de fãs, em dois continentes, graças a uma legião de mixtapes gratuitas e inúmeros videoclipes.
Com esse disco, o MC vendeu mais de 10 mil cópias, fez várias tours em Angola e Portugal e retirou desse projeto alguns clássicos, como “Kolossal”, “Filho das Ruas”, “Qual é o Mambo”, “Palavras Não Chegam”, “Nasci Pra Isso” ou “Hip Hop Life”.
Seis anos depois, NG, como também é conhecido, volta a lançar mais um álbum, o seu terceiro, o qual batizou de Filho das Ruas II. Depois de o ouvir, acredito que seja para deixar na geração vindoura a mesma marca que os Black Company deixaram na sua vida.O mesmo plano, novos objetivos
“O plano é o mesmo, mas os objetivos agora são outros”. É o conceito que dá mote e forma a este trabalho. Se por um lado NGA quer continuar a viver da música — uma conquista que é para manter —, por outro mostra-se mais desperto para o impacto que o seu trabalho e testemunho têm na vida daqueles que o ouvem. Este é o novo objetivo, refletido no artwork e ao longo das dez músicas que compõem o álbum.
A capa abre-nos desde logo a porta para a ideia de crescimento. Tal como há seis anos, é o rosto do seu filho que lá encontramos. Hoje mais velho, com rastas maiores, de ar sério e determinado — contrariamente ao olhar triste com que antes se apresentara. NGA quer falar para ele, para a sua geração.
E é certo que a ideia de crescimento sempre esteve presente nas rimas de NGA, que por vezes falava de maturidade, outras vezes das jantes. No entanto, agora o foco não está na sua própria evolução, mas naquilo que deseja deixar a outros.
É aqui que está o core de Filho das Ruas II. O volume II não coloca NGA no centro, apesar de continuarem a ser as suas vivências, as suas dores, os seus quadros, como o próprio refere muitas vezes. Desta vez o artista pintou os quadros que acredita poderem ajudar outros a serem melhores, a chegarem mais longe, a serem felizes. É Isso que encontramos da primeira à última faixa.
É aqui que está o core de Filho das Ruas II. O volume II não coloca NGA no centro, apesar de continuarem a ser as suas vivências, as suas dores, os seus quadros, como o próprio refere muitas vezes. Desta vez o artista pintou os quadros que acredita poderem ajudar outros a serem melhores, a chegarem mais longe, a serem felizes. É Isso que encontramos da primeira à última faixa.
Faixa a Faixa
Se a “Intro” te parece apenas um grito, estás enganado, é uma chamada. É como se NGA estivesse a convocar o destinatário desta obra.
“Irmandade” poderia aludir ao facto de NGA ter feito esta música com alguém que considera um irmão. Mas é mais do que isso, ajuda-nos a reconhecer os verdadeiros irmãos. Aqui, encontramos NGA no seu prime, parece que basta um instrumental boom bap de Madkutz para o rapper mostrar que nasceu para as rimas e para o flow.
De seguida surge “Tatuagens, Cicatrizes & Diamantes”, tema que remete para os clássicos de NGA, em que a sua honestidade e a sua capacidade de contar histórias nos emociona. Este tema, dedicado à sua mãe, que faleceu em 2014, está carregado de musicalidade e de dor — uma dor que somos convidados a partilhar, ainda que por breves instantes. Talvez seja por isso que, já em 2012, NGA não se considerava um rapper, mas um artista.
“A Luta Continua” surge como uma palestra motivacional agressiva, o chamado ‘abre olhos’. “Tu vês os porquês de tanta dificuldade em quase tudo, então tá na hora de por a universidade como prioridade, qual é o teu contributo puto?”, rima NGA, com a autoridade de um irmão mais velho, e um flow cativante em cima de um beat que tem um 808 fenomenal.
“Olho por Olho” é um tema típico de punch lines, em que NGA e Prodígio parecem querer deixar algumas farpas aos beefs mais recentes da Força Suprema. Os rappers referem-se a esta música como o “Kolossal 2”, numa alusão ao “Kolossal” do volume I do Filho das Ruas.
O disco está quase a chegar ao fim, faltam apenas dois temas. “Tu Não Sabes” é uma canção de amor e talvez o ponto mais fraco do álbum. O refrão não está ao nível das estrofes e a canção ressente-se.
Para o final ficou o primeiro single de Filho das Ruas II: “Perfeito“. O final perfeito para este projeto tão perto de o ser. A primeira estrofe é cantada para as novas gerações na pessoa do seu filho, Dair. São conselhos atrás de conselhos: “Constrói sonhos tipo empreendimentos, sê feliz, a tua vida é o teu maior investimento, e o teu bem-estar acima de qualquer carreira, quem tiver contra exonera, faz tipo o Pro, exagera”. A segunda estrofe é uma love song carregada de honestidade. E assim termina o disco com o melhor refrão de toda a obra: “Eu sou igual a ti, cheio de defeitos, apenas um homem longe de ser perfeito, são as palavras que eu devia ter-te dito, e esse é o álbum que eu devia ter feito”.
O que torna Filho das Ruas o melhor trabalho deste artista é esse objetivo novo, esse conceito que coseu o álbum de uma ponta a outra e transformou aquilo que poderia ser uma biografia num manual. Este Filho das Ruas está hoje na sua melhor forma, no seu melhor momento, e com seu melhor trabalho.
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